Não sei o que queres dizer com glória, disse Alice.
Humpty-Dumpty sorriu, com desprezo. Claro que não, até que eu te diga. Quero dizer "aí tens um belo argumento que te arruma!"
Mas "glória" não significa um belo argumento que te arruma
, objectou Alice.
Quando eu uso uma palavra, disse Humpty-Dumpty, em tom de escárnio, ela significa o que eu decidir que significa, nem mais nem menos.
O problema é, disse Alice, se se pode obrigar as palavras a significar tantas coisas diferentes.
O problema é, disse Humpty-Dumpty, quem manda. Apenas isso.

Lewis Carroll, Alice no país das maravilhas




rascunhos
de
abordagens
(eventualmente)
literárias



GNM


Nasci muito perto do fim dos anos 70. O meu nascimento aconteceu às primeiras horas de um dia gelado de Dezembro, e, desde aí, jamais consegui libertar-me do frio que se fazia sentir naquele dia. A normalidade foi algo que durante toda a vida inconscientemente ansiei, mas sempre recusei. Em criança ela espreitava-me durante a noite, olhando-me do lado de fora da janela. E eu, fingindo não a ver, fechava as cortinas...

É cedo...

⊆ quarta-feira, novembro 22, 2006 por GNM | . | ˜ 57 comentários »

É cedo,
muito cedo para me levantar
e tarde de mais para voltar dormir.

A vida é como estas manhãs ansiosas
asfixiadas entre a brancura do tecto e dos lençóis.

Apenas isto.

E alguns de nós parecem divertir-se tanto…

Esta noite sonhei com um homem que
dizia que só os pobres e tristes
são felizes.

Sou feliz? Diz-me louco dos sonhos! Sou?

Gostava de sentir que estou a caminho de alguma coisa…
Como se estivesse a escrever um livro
em que no final tudo revela o seu sentido.
Tudo acaba bem.

Mas a rotação da Terra é demasiado exacta.
E eu não
(e isto dito desta forma é em si uma exactidão,
e é por tudo isto que não sou exacto).

À minha esquerda há uma janela.
Todos os dias, pela manhã, esta janela.
Todos os dias…

Como se nada de diferente pudesse acontecer.

(Bebo água engarrafada enquanto penso nisto,
- bebo sempre água quando acordo. Sempre.)

Apenas esta janela…
Branca, verde, envidraçada…
Por vezez com gotas de chuva ou de orvalho
Mas sempre, sempre… esta janela.


Canela e Erva Doce

⊆ quarta-feira, outubro 11, 2006 por GNM | . | ˜ 25 comentários »



E no próximo Sábado pelas 18.30, vou estar por aqui. É que a minha amiga Paula Raposo vai ver a sua poesia editada pela Magna Editora. E assim, no Sábado, lá estaremos no lançamento!

Parabéns Paula!!!








Desprendo-me, como um fruto...

⊆ segunda-feira, outubro 02, 2006 por GNM | . | ˜ 31 comentários »

Desprendo-me, como um fruto dos ramos da
árvore esquecida na falésia. O tempo pesa-me e gelou-me
o sangue. A ausência transformou-te em descrença.

Toco-te em sonhos e
acordo com as pontas dos dedos queimadas.

Na falésia dormem, com a cabeça sobre o
braço dobrado, as esperanças de fuga.
Os barcos desfilam, agrilhoados ao mar, exibindo
velas demasiado brancas…
Aqui, no alto da falésia, restam somente
pedras, um sonho ancestral

e a imensa vontade de saltar.

Quando voltares, só tens de percorrer
meio caminho. Não sentirás buracos na
estrada, os semáforos serão todos esperança,
as rotundas estender-te-ão o braço,
os cruzamentos serão desertos.

Por que não voltas agora?
Pela madrugada as viagens são mais breves,
o ar é mais puro, os frutos são
frescos e doces.

Quando voltares vou mostrar-te uma
falésia, onde uma pequena árvore, sozinha,
venceu a dura negritude dos rochedos
.


De um pedaço de terra...

⊆ quinta-feira, setembro 21, 2006 por GNM | . | ˜ 31 comentários »

De um pedaço de terra perdido no mar
nascem Ecos inesgotáveis. Ecos de
palavras ou rochedos, esquecidos, duros, gastos.

Ecos de Inverno, de Verão, de outras estações
do ano ainda por inventar. Ecos de
amor, ou qualquer coisa parecida
que já tenha sido inventada.

Ecos sem rédeas, transparentes, livres,
que não se importam com regulamento do condomínio.

Ecos de montanhas, Ecos de verdades, ou saudades…
Ecos que estremecem como o mundo, quando
uma mulher de saltos altos dança de cabelos ao vento.

Ah… se eu pudesse mais uma vez ver-te dançar…

Talvez um dia eu abra a janela, grite o teu nome, e te encontre!
Damos as mãos e caminhamos até ao cais,
onde um barco sem casco, nem leme, nem proa,
está à nossa espera para zarpar.

E eu esqueceria todas as cartas que não respondeste.

Mas por agora a janela está fechada.
E eu… talvez me cale.
Mas os Ecos, esses…

Os Ecos erguer-se-ão!


Distantes da nossa cidade...

⊆ quarta-feira, setembro 06, 2006 por GNM | . | ˜ 35 comentários »

Distantes da nossa cidade,
onde a neve se derrete como as palavras
expostas ao tímido sol de Inverno,
as manhãs têm a beleza de quem não conhece o sofrimento.

Com restos de granizo sobre a cara,
amanhecemos deitados sob a árvore do tempo
e assistimos ao lento cair do céu.

A noite foi quente e estranha:
Fomos visitados por duendes que não existem!
Aterraram numa barca azul e ofereceram-nos
bagas, nozes com mel, canela e erva doce.

Não sei se foi hoje, talvez tenha sido ontem.

Vamos oferecer aos Deuses as lágrimas futuras!
E por entre as florestas que aconchegam os rochedos do
mar vermelho, e por ente montanhas de vento e flores
queimadas pelo gelo, vamos contemplar
eternos nasceres-do-sol.

Aqui não existem pedintes de esquina-em-esquina,
nem jornais diários com notícias mais tristes
que nasceres-do-sol.

Aqui existe apenas tudo isto, e tudo isto que é
tão pouco para tantos, é tudo o que
quero… para sempre…


Os ponteiros do relógio...

⊆ segunda-feira, agosto 28, 2006 por GNM | . | ˜ 30 comentários »

Os ponteiros do relógio desenham um ângulo recto perfeito que denuncia as nove horas da manhã. A cidade está envolta num perfume peculiar: mescla de enxofre com perfumes baratos e sonhos da noite anterior. Percorro uma rua imunda: beatas, lixo, homens… Tudo um nojo! Num vaivém inútil as pessoas acotovelam-se mutuamente, como se este fosse o último dia das suas vidas. Prefiro este sol suave que me aquece nas manhãs de Inverno, ao sol espesso como mel que escorre sobre mim nas tardes de Verão. Vesti a minha saia de ganga e, quando assim estou vestida, os homens olham-me como se eu fosse um táxi que querem saber se está livre. A minha relação com os homens é simples. Mesmo muito simples: odeio-os a todos! (A única excepção chamava-se João Pedro. Sim, chamava-se, mas já não se chama. A morte roubou-mo a 170Km/h sem aviso prévio. Desapareceu… Ébria simplicidade! Foi a grande história de amor da minha vida e, como qualquer história de amor, poderia contá-la em 3 volumes de 500 páginas cada um. Mas prefiro despachá-la neste par de parênteses, estou farta de sentimentalismos inúteis). Assim, desprezo-os o mais que consigo, e quanto mais o faço, mais eles se entregam a mim. O segredo desta aparente perversão é muito simples: os homens são como o soalho flutuante da sala, se forem bem montados, deixam-se pisar durante dezenas de anos.
Preciso de beber café para me sentir bem desperta. Entro na pastelaria que faz esquina com a avenida do restaurante onde trabalho, e o empregado afivela imediatamente um sorriso parvo nos lábios. Jogo com ele e retribuo o sorriso. O meu sorriso é falso como uma imitação grosseira de Dalí, mas ele nunca se apercebe disso. Está demasiado ansioso para observar pormenores. Gagueja enquanto fala comigo, e a mão, com que transporta perigosamente a chávena de café, é percorrida por um tremor compulsivo. É no balcão que acendo um cigarro e inalo profundamente até sentir os pulmões em chamas. Junto a chávena aos lábios, hoje pintados de vermelho bronze. Longe, muito longe, vão os tempos em que a paixão me tingia os lábios de rubro. Hoje, o único rubro que me tinge é o das minhas feridas.
(...)
O empregado da pastelaria fixa novamente os olhos em mim. Aproveito a deixa e esmago bruscamente a beata contra o cinzeiro de vidro fosco, como se fosse uma mulher cruel. Lanço um olhar misterioso, viro as costas e saio.


Excerto de um conto


Vou pintar as paredes...

⊆ sexta-feira, agosto 18, 2006 por GNM | . | ˜ 35 comentários »

Vou pintar as paredes do quarto de verde-seco. Qualquer cor é preferível ao amarelo deslavado que agora as tinge, e aviva todo um passado que quero enterrar. Duas a verde-seco, as outras duas a branco; o tecto… branco também.
A cama, a estante, o tapete, sem esquecer os lençóis, são memórias de uma tempo que preciso de esquecer.
- Levem tudo isto daqui!
- ?!
- Sim. Levem tudo! Deitem no lixo, façam o que quiserem, mas levem isso daqui.
Deixo as janelas abertas e as cortinas corridas enquanto dois homens assustados montam a mobília nova. Não importa o frio, não importa a chuva: preciso de devolver ar fresco a esta existência bafienta.
Na sala, a roupa nova ainda ensacada olha-me desde o lado direito do sofá; retiro as etiquetas e visto-me de presente. Gostava de olhar-me ao espelho, mas não sou capaz. Assusta-me ideia de não conseguir ver nada reflectido do outro lado. Tenho um medo terrível que o espelho denuncie que já não existo, pois a cada dia que passa me sinto a sumir gradualmente, como a chama de uma vela que se apaga lentamente.
Estou tão cansada de mim própria, que tenho vontade de fingir-me outra pessoa.
Tudo terá de mudar… Sim! Doravante nada poderá continuar a ser como dantes. Não preciso sequer que seja melhor, quero apenas que seja diferente. Tudo diferente.
Adeus Andreia!


Excerto de um conto.


Entre as minhas paredes...

⊆ sexta-feira, agosto 11, 2006 por GNM | . | ˜ 35 comentários »

Entre as minhas paredes de gelo e a tua voz melíflua,
tranquei as portas com as mãos roxas, cadavéricas,
deixando cada parte de mim numa escuridão bafienta.

Tranquei-me não por ti, não por mim, não por ninguém.
Tranquei-me porque me tranquei.
Apenas me tranquei.

Amo a escuridão e o silêncio, na ausência dos teus lábios,
na ausência do teu fogo, que é minha juventude.

Somos amantes que só sobrevivem porque se desafiam constantemente,
como rivais eternos que se fitam nos extremos da grande mesa rectangular.
No fim, perderemos os dois.

E se em mim a dor se transformasse em pedra…
Ficaria para sempre imóvel!
Eternamente preso a este instante obsessivo.
Refém não da dor, mas de mim mesmo:

Já nenhuma dor me possui. Eu sou própria dor.

A sede de infinito não é uma estrela, mas um buraco negro,
onde mergulhei e me perdi para sempre…
na ânsia do veludo da plenitude.

E as portas… as portas estão bem como estão:
Trancadas! Escondendo ruínas e sangue.

Nunca mais soube das chaves.


Tenho a vida...

⊆ domingo, julho 23, 2006 por GNM | . | ˜ 37 comentários »

Tenho a vida atravessada de palavras.
Estou cansado de todas as
palavras que atracam às linhas do meu caderno.

Das obscuras, indecifráveis, abandonadas na lama.
Das frescas, vigorosas, fingidas a dois tempos.
Das odiosas, carnais, duras como pedras.

Desapareceram as borboletas do meu caleidoscópio poético.

Sempre as mesmas forças destruidoras
e as mesmas estrofes esfoladas e as mesmas paisagens ardidas.
E outra vez e outra e uma vez mais.

As palavras nascem-me gastas, enrugadas,
como o teu rosto quando já não te lembrares do meu nome.

Tudo é deserto, abafado, irrespirável,
mar infinito de areia fervente.
Tudo é gente arrastando-se
por montanhas de luto e vales de sombra.

Sejam palavras sólidas ou amargas,
sejam enevoadas ou melífluas,
estou farto.

Enjoei o alfabeto inteiro.


A noite avança...

⊆ sábado, julho 15, 2006 por GNM | . | ˜ 49 comentários »

A noite avança com a suavidade de um lençol de seda negra
que me envolve, me seduz, me perturba.
Onde, sujo e esfarrapado, escrevo imperturbável.

Para trás ficaram rostos gastos.
Corpos de coração esquecido em qualquer parte.
Ruas que são folhas manuscritas com as nossas vidas.
Esquinas, ruelas, becos, tatuados com este fluir inevitável.

Ainda viverá alguém nesta cidade?
Ou estará oca, vazia, como a casa abandonada no topo da montanha…

Gente, gente e gente, passa e repassa diante dos meus olhos.
Mas tu, quem os meus olhos nunca viram, despertas
as palavras e estilhaças o silêncio em que aprendi a viver,
espelhando na transparência o horizonte que invento
e a vontade de pegar-te nas mãos e perder-me
contigo enquanto todos dormem.

A minha vida tem sido somente uma espera interminável,
por alguém que é apenas um fugaz pressentimento
.


E se pudesses permanecer...

⊆ quinta-feira, julho 06, 2006 por GNM | . | ˜ 29 comentários »

E se pudesses permanecer interminável
e eternamente trajasses páginas despidas e páginas despidas
com o delírio minucioso dos teus dedos…

Beijando versos como quem morde um pêssego
e sente o sumo escorrer pelo queixo como se fosse o mar
que avassala o mundo e traz consigo inconfidências
que abandona na areia molhada.

Arde-te o sangue, incandescente.

Querias da vida um caminho de fogo e leveza,
uma história de amor de beleza,
um poema sem fim...


Já mal me recordo das...

⊆ quinta-feira, junho 29, 2006 por GNM | . | ˜ 44 comentários »

Já mal me recordo das noites em que o sangue fervilhava
e nos moldávamos como barro nas mãos de um oleiro universal.
Como dois troncos de oliveiras centenárias que, torcidos, se entrelaçam.
Tacto. Espasmos. Asas.

Somos um poema por terminar.
Não! Não podemos ser um poema, somente um amontoado de versos indecifráveis.
Talvez sejamos dois gatos em sétima existência. Esgotámo-nos!
E a água gelada cai de onde menos esperamos.

Tentas semear-me…
Mas na terra infértil que sou nascem apenas cactos
e os espinhos atravessam-me a alma.

«Não te demores…»

Uma guilhotina de prata amputou-me as pernas.
Quero-te. Mas não consigo caminhar até ti.

Conheces o aroma das horas quando a espera se estilhaça em mil cacos?
Conheces-me?

Tenho frio. O meu peito é um bloco de gelo com arestas cortantes.
Duro. Pesado. Imóvel.

Posso dar-te as mãos? As minhas mãos estão quentes, ainda.
Exibem as cicatrizes dos rasgos por onde fugiu a minha inocência.
Estendo-as para ti, mas não as vês…

Ainda que o acaso nos negue, permaneço.

Dás-me as tuas mãos?

Sabias que matei um homem?
Empurrei-o para a frente de um comboio de saudade. Morreu desmembrado.
Porquê? Porque sim.

Conta-me… Diz-me como são as tuas mãos…
Desmembrado, não consigo poetizar-te as mãos.

Não sei se sou deus ou o diabo.
Serei as sílabas de uma palavra por inventar?
Talvez não passe de uma criança confusa.
Um objecto sem utilidade.
E gente? Não posso ser gente?

Por cada folha que te escrevo morro um pouco mais…
As folhas que te escrevo são rasgadas num gesto brusco de dentro de mim.
Rasga-me cada palavra; cada sentimento.

Quero parar de te escrever.

Continuo a escrever-te.

Odeio-me.


Mas há sempre...

⊆ quinta-feira, junho 22, 2006 por GNM | . | ˜ 46 comentários »

Mas há sempre um dia em que as nossas profundas ilusões estilhaçam como cristal ao fogo. Um dia em que toda a nossa pequenez, toda a nossa pueril ingenuidade vem à tona. Um dia em que, repentinamente, tudo muda sem aviso prévio. E os nosso olhos esvaziam-se como a maré, perdem-se as ondas, desaparecem os barcos, escondem-se os peixes… E no final resta apenas um deserto, onde o tempo, lento, nos submete a uma tortura lancinante.
(...)
Onde estou? Por que é que esta gravura impressionista, desenhada pelo bolor entranhado nos resquícios do estuque, não pára de rodopiar sobre os meus olhos? Bem no centro deste tecto está uma lâmpada cilíndrica, que me ilumina com uma luz amarelecida; não cessando de me fitar desafiante, como se estivesse a troçar da minha tentativa falhada de fundir as mil lâmpadas do quotidiano.
Lembro-me de engolir duas caixas de comprimidos, não com a fúria vulcânica de uma suicida, mas com a elegância de uma princesa que sorve um banquete com talheres de prata. Um a um, saboreei-os com volúpia majestosa, até sentir uma tempestade levantar-se nas esquinas do meu estômago e, finalmente, atravessada por uma íntima satisfação, cedi ao peso das pálpebras.
(...)
Tenho o coração desmoronado, como uma casa em ruínas. Vivo num intervalo de tempo irreal. Esse intervalo persegue-me loucamente: É a soma das horas em que cheguei cedo demais à vida de alguém, multiplicada pelas horas que cheguei atrasada.
Se não me mataram os comprimidos, mata-me este silêncio pálido. Sempre detestei estes silêncios vazios, tão cheios de tudo o que está por dizer. Mas agora é tarde demais para dizer o que quer que seja. Tudo vai ficar guardado dentro de mim para sempre, não sou mais que um cofre de ilusões falhadas. A maior delas foi acreditar que o amor é não apenas uma verdade, mas a verdade. Não há verdade nenhuma no amor, é apenas uma ilusão que passa, como um poema ou uma musica que nos envolve, e nos faz crer que somos únicos no mundo; depois, desaparece como o fumo deste cigarro, mas tudo o resto fica, sempre fica…


Excerto de um conto


Lançamento...

⊆ sábado, junho 17, 2006 por GNM | . | ˜ 63 comentários »

Foi ontem a sessão de lançamento do livro “NADA em 53 vezes”.
Agradeço a todos os que, com a sua presença, fizeram com que esta noite fosse tão especial, tornando-a inesquecível para mim!

Para quem não pôde estar presente, seguem duas fotografias da noite de ontem -tiradas pelo meu amigo fotógrafo, Ognid -, assim como a fotografia da contracapa deste livro.

A todos, muito obrigado!


Da esquerda para a direita: o meu amigo Emanuel Vitorino, apresentador do livro; eu, e a Avelina Ferraz, da Papiro Editora.

A assistência.


É hoje!

⊆ domingo, junho 11, 2006 por GNM | . | ˜ 50 comentários »


E é já na próxima Sexta-feira, dia 16 pelas 21 horas, que será lançado, na Fnac do Cascais Shopping, o livro “NADA em 53 vezes”!


Podemos...

⊆ sexta-feira, junho 09, 2006 por GNM | . | ˜ 20 comentários »

Podemos morrer esta noite,
metralhados pelo silêncio cinzento,
que continuaremos vivos.

Mais que um momento,
um tempo ausente,
mais que dois corpos unidos num
só,


somos a escadaria
que vai da Lua ao Oriente
refazendo os sonhos
defeitos em pó.


Livre!

⊆ sábado, junho 03, 2006 por GNM | . | ˜ 33 comentários »

Livre!
Sou o último homem livre.
Foi com as minhas próprias mãos,
Com o meu próprio sangue,
Que dobrei as grades que me mantinham cativo.
Sou livre porque me reinventei,
E estou vivo.
Oh! Como estou vivo esta noite…
Mais vivo que a própria vida!
Bem louco aquele que ainda fica vivo.
Eu sou esse louco
Que voa cada dia mais alto
Em busca do infinito,
E de um pouco mais,
Que o infinito não me basta...
E vejo o mundo tão pequeno lá em
Baixo…
Onde não se voa
Somente se rasteja.
Seis biliões de rastejantes!
E para quê?
Nada!
Nada em 6 biliões de vezes.

Um pouco de loucura.
Como sabe bem um pouco de loucura.
Mas já não existe substância nos homens…
Os homens estão ocos!
Tão ocos que já não sabem ser loucos,
Quando ser louco é só ser humano.

Onde termina a razão começa o Homem.


E a vida dos homens é um relógio de corda.
Um longo tic-tac…
Com o paladar de uma sobremesa que já enjoaram.

A minha vida é uma tempestade.
E eu, um navegador que rema e avança,
Em busca de outros mundos que não os vossos…


Excerto

⊆ sábado, maio 27, 2006 por GNM | . | ˜ 37 comentários »

Quero afastar-me das pessoas. Vou manter a minha distância de segurança para impedir embates frontais.
Evitem-me.
Não quero falar com mais ninguém. Não quero que ninguém fale comigo! Que ninguém comente se estou gira, que ninguém fale da cor do meu cabelo, dos meus lábios rasgados. Chega de elogiarem os meus olhos.
Deixem-me.
Não quero mais sorrisos, nem simpatias, nem jogos de sedução. Quero estar sozinha. Apenas quero estar sozinha. Para sempre sozinha.
Esqueçam-me.
Não resta mais nada que possa dar a alguém… O mundo cegou dentro dos meus olhos.

GNM in Até ao Fim


Encontro-te

⊆ quinta-feira, maio 25, 2006 por GNM | . | ˜ 31 comentários »

Encontro-te!
Estás em todos os
lados:
vejo-te nas nuvens,
desenhada,
sorris-me em
fotografias,
na sombra adiada,
no gelo,
no fogo dos
dias.
És os meus gritos,
calados.
hoje, és as folhas do
jornal.

Rasgo-te!

Tranco-me
como um cofre
de cristal.
E em mim tudo se quebra.

O Amor esqueceu-se de nós.


Livro

⊆ sábado, maio 20, 2006 por GNM | . | ˜ 77 comentários »


No dia 16 de Junho, Sexta-feira, pelas 21 horas, terá lugar o lançamento do meu livro “NADA EM 53 VEZES” , na Fnac do Cascais Shopping. Quero convidar-vos a estarem presentes neste lançamento; será um prazer poder partilhar este momento com todos vós.

São também todos e cada um de vocês que aqui me lêem, que contribuem para que continue a escrever. Assim, este livro é também vosso. Obrigado.


Eu quero voar...

⊆ sábado, maio 13, 2006 por GNM | . | ˜ 42 comentários »

Eu quero voar…
voar
e só voar,
simplesmente.
Hoje,
ontem,
eternamente.
Voar como quem ama
e amar como quem voa,
e amar o céu
e amar-te a ti
e a toda a gente.

Voar sobre campos
dourados,
Rasgar nuvens
e sonhos
e mares
navegados.
Voar nas tuas
sombras,
silêncios
quebrados
E em todos os
lados.

E procurar nas
estrelas o
sabor,
nas nuvens o
calor,
a tua
cor...
(Serás azul?),


As esquinas do delírio

⊆ segunda-feira, maio 08, 2006 por GNM | . | ˜ 31 comentários »

Eu sou a força e a desagregação,
Sou o mais feio, doente, esfomeado,
Sou o mais pálido, míope, curvado,
Sou todos os deuses e a sua negação.

Dê-me fé, vendam-me uma religião,
Quero crer numa igreja, num Estado,
Eis tudo em que acredito: E=m.c2,
E o resto é cárcere, névoa, exploração.

Quem me rege é somente a natureza:
Eterna sabedoria, liberdade, pureza,
Tudo o que existe, que sorri, que voa.

Eu sou o fulgor, as palavras, a beleza,
Eu sou a escadaria sem fim e a leveza,
Eu sou o mar, o céu e a última pessoa.


Instante

⊆ sexta-feira, maio 05, 2006 por GNM | . | ˜ 16 comentários »

Esta noite
Percorrem-me as veias vagas gigantescas.
Esta noite nada é como é.
Desconheço-me.
Este ser tudo sendo nada,
Este estar entre…
Sinto o que nunca ninguém sentiu.
Ninguém sentiu!

Ninguém sentiu?
Quanta sobranceria nesses olhos,
Quanta presunção na ponta dos dedos,
Quanto pretensiosismo dentro de ti…


Amo-te todos os dias III (continuação)

⊆ domingo, abril 30, 2006 por GNM | . | ˜ 26 comentários »

E embriagar-me no perfume do teu cabelo,
E morrer de inveja
Do tailleur azul que te abraça,
E sentir um tremor de fogo
Trepar-me quando me tocas.
E preencher as palavras cruzadas
De todos os jornais do café
Com as seis letras do teu nome,
Ignorando as instruções de preenchimento.
E fechar os olhos quando te quero ver
E tu não estás junto a mim,
E ver-te emergir
Na tela infinita da minha imaginação,
E cegar como se a luz do teu olhar
Fosse um raio de sol a incidir sobre o meu,
E finalmente abraçar-te e sentir-te
E delirar a ouvir-te
E viver,
E sorrir quando oiço
O homem chato das calças verdes
Perguntar ao empregado do café:
-Ó Mendes, quem é o palhaço que
Anda a dar cabo das palavras cruzadas
?


O segredo da noite

⊆ domingo, abril 23, 2006 por GNM | . | ˜ 29 comentários »

Olho o céu, apenas a frieza da noite escura!
Quem roubou as estrelas, deixando o céu apagado?
Esta noite, laquearam a veia audaz da loucura,
Fugiram as estrelas, escondeu-se a ternura,
E o céu é um velho castelo abandonado.

Segredando, chamei um anjo de asas prateadas,
Beleza serena, gestos dóceis, rosto suave e rubicundo,
Fitei-o com olhar velhaco de raposa experimentada,
E cravei o punhal na sua garganta ensanguentada
Deslizando-o suavemente, num gesto profundo.

As asas são minhas, elevo-me, estou a voar!
E a janela do meu quarto vai ficando mais pequena,
Num só sopro acendo o céu: Luz, estrelas, luar,
A brisa da loucura reapareceu, pairando no ar,
E a noite reluz, numa brancura de açucena.


Amo-te todos os dias II (continuação)

⊆ segunda-feira, abril 17, 2006 por GNM | . | ˜ 30 comentários »

Eu quero olhar-te nos olhos,
E ouvir o silêncio dos teus segredos
E a valsa das tuas emoções,
E arrepiar-me quando juntas aos lábios
A garrafa de água que o frigorifico gelou,
E chamar-te vaidosa ao descobrir-te
Maravilhada com os encantos do espelho,
E sentir os olhos presos ao teu decote em V,
E olhar-te com um nervoso miudinho
Enquanto lês as folhas de papel que escrevinhei
Como se fosses um César que com um mero gesto
Pode despedaçar as minhas pretensões de escritor,
E sorrir ao ouvir-te insultar a balança,
E segredar-te ao ouvido que és lindíssima
E não apenas para te confortar
Mas porque és mesmo lindíssima,
E ver-te sorrir com os olhos,
E ouvir os quinhentos decibéis do teu riso
Quando gostas do vinho que bebes ao jantar,
E ser surpreendido pelas tuas vontades súbitas
De nos amarmos nas posições mais esquisitas
E nos sítios mais improváveis,
E estar sozinho em casa
Mas falar alto como se estivesses a ouvir-me,
E ouvir-te dizer que me queres fazer feliz
E dizer que adoro o teu bolo de canela
E tu dizes, rindo, que me contento com pouco,
E dizer-te que pouco mais preciso
Quando te tenho a meu lado para enfrentarmos
Juntos esta aventura de crescer e voar
A que chamam vida…


Pedras

⊆ terça-feira, abril 11, 2006 por GNM | . | ˜ 33 comentários »

Pedras. Reconheço-me nas pedras.
Nuvens violentamente negras e pedras
amontoadas de um castelo que ruiu.

O sol fundiu-se, a cidade está afónica.
O calor dos passos acesos
alenta este silêncio de vão de escada.

Musica longínqua, remota.
Um bêbado cambaleante fermenta na voz:
«Já não temos tempo…»

Calo-me
à luz implacável do tacto frio da ausência.

Calam-se as palavras,
seca a tinta da caneta,
é o grito do caos.

E assim perdemos tudo…


Fragmento

⊆ sábado, abril 08, 2006 por GNM | . | ˜ 19 comentários »

Somente mergulho no amor,
Porque a vida é uma torrente de cascos,
Um ecoar de cristal, é uma brisa que passa…


Amo-te todos os dias

⊆ sexta-feira, março 31, 2006 por GNM | . | ˜ 57 comentários »

Eu quero olhar-te nos olhos,
E ver-te afastar delicadamente o cabelo da cara
Enquanto encostas a cabeça à ombreira da janela da sala,
E agarrar as tuas mãos febris
Com as minhas mãos geladas
E dizer-te que as nossas mãos
São asas com que podemos voar
Para lá da pequenez desta prisão crepuscular,
E mergulhar na magnitude do mistério.
E ouvir-te dizer que voar é impossível
E dizer-te que entre nós não há impossíveis,
E ver-te procurar a serenidade num cigarro
E esconder-te o isqueiro debaixo da manta
Cor-de-fogo que cobre o sofá velho,
E ver-te ir à última gaveta do móvel de carvalho
E acender o teu cigarro com um dos infindáveis
Isqueiros que lá guardas,
E ir à última gaveta da tua alma
E de lá arrancar o teu enigmático sorriso.
E fingir que não percebo que enquanto nos beijamos
Me roubas, sub-repticiamente, o comando da televisão,
E falar-te acerca da rapariga das tranças ruivas
Que aparece, na magia dos meus sonhos,
Sentada no banco do jardim da lua,
E sorrir aos teus ciúmes de alguém que não existe,
E fingir que estou a tossir mais que aflito
E ver-te esmagar bruscamente o cigarro contra o cinzeiro
E refugiares-te no chá de cereja,
E ouvir-te elogiar as chávenas rubro incandescente,
Que trouxeste da viagem ao México,
Só porque sabes que não gosto daquelas chávenas,
E ver-te despir para tomar banho
E tocar-te como quem lê um poema em braille,
Como se o teu corpo fosse, simultaneamente,
Uma encruzilhada onde me perco
E um mapa onde me volto a encontrar,
E reter-te por séculos nos meus braços,
E fugir quando alcanças o chuveiro ameaçador,
E esperar ansiosamente que termines o teu banho
E beijar o calor da tua pele húmida quando regressas,
E sorrir ao olhar falsamente ressentido
Que lanças desde o sofá onde estás deitada
Com o cabelo molhado,
E ver-te ceder ao peso das pálpebras
Quando as horas pesam séculos sobre os olhos,
E adormecer junto a mim,
E ser percorrido pela profunda paz
Que emerge da perfeição daquele momento,
Perfeição que, felizmente, não tens:
Gosto de ti, não apesar dos teus defeitos,
Mas com os teus defeitos. Todos.
E tocar-te uma vez mais,
Mas querer também deixar-te dormir,
E acordar antes de ti,
E ir à padaria buscar pasteis de nata
E ver-te deliciar com eles
Sem te importares de semear a cama com migalhas
Enquanto eu me delicio com o teu sorriso,
E ver-te beber sumo de laranja
Segurando o copo com as duas mãos,
E pressentir que te conheço há sete vidas
E que afinal tudo isto faz sentido
Porque tu existes,
E perceber a sorte que tive em te encontrar
No meio de seis biliões de seres humanos.
Eu quero olhar-te nos olhos,
E…


Avidez inquieta

⊆ domingo, março 26, 2006 por GNM | . | ˜ 31 comentários »

Mundo: Obsessivo. Pestilento. Sério demais.
Erguido à luz desse pecado original.
Sejamos humanos: Errantes e banais,
Nos teus becos não há nada de fatal.
Por que não aprendeste a sorrir, homem primitivo?
E a alcateia que somos teria um uivar diferente:
Submerso o mundo amargo e intempestivo,
Nós, eternas crianças num mundo surpreendente.
Será do dia em que foi inventado?
Um dia pintado a cinzentos depressivos,
Um dia trémulo, ausente, demorado…
Seriedade, de onde jamais partiremos vivos.
E nos flancos de outro dia de semblante sério,
Sufocado pelo tédio dos dias sempre iguais,
Estilhaça a fadiga e emerge o mistério
Da nossa íntima condição de mortais.
E, vazios, despedimo-nos da vida,
No silêncio de um dia: O dia final.
Cosmos, quartzo, existência esquecida,
Maçada aborrecida… Mais um funeral.
Nem caos nem dúvidas. Tudo simples e claro.
Para quê o árduo desvelo da incerteza?
Esta noite quebro o cálice onde amparo
O orvalho amargo de séculos de tristeza.


Matem os poetas!

⊆ terça-feira, março 21, 2006 por GNM | . | ˜ 54 comentários »

A Daniel Filipe

Nas páginas anteriormente brancas dos livros inúteis,
Nas velhas caixas de recordações de jovens sentimentais,
No tronco apunhalado da árvore centenária do jardim,
Nas últimas folhas dos jornais locais que ninguém lê,
Letras em cadência de verso denunciam a sua existência.
Em letras pequenas
Do tamanho do amor, da esperança, da saudade,
Versos anunciam que uma pequena alcateia de mulheres e homens,
Guiados por corações sem rédeas,
Escreveu sentimentos proibidos
Em horas de solidão,
Inventando uma subversão a que chamam poesia.
Uma alcateia de mulheres e homens livres,
Com fome e sede de infinito,
Soube dar vida a letras esquecidas.
Basta-lhes um sonho.
A noite.
A paixão.
A beleza de um olhar reluzente.
Armados com caneta e papel,
Camuflados com um olhar humilde
Que disfarça uma insuportável dignidade,
Mulheres e homens inundam a terra árida do mundo,
Com palavras viciosas sob a forma de poemas.
É urgente travá-los antes da contaminação colectiva,
Antes que a epidemia se espalhe
E a poesia se torne numa doença universal.
Justificam-se medidas drásticas.
O presidente que decrete o estado de sítio.
Alerta vermelho!
Mobilização geral!
Chame-se o exercito, a marinha,
Ordene-se que os navios de guerra estejam a postos,
Os aviões devem carregar mísseis e voar imediatamente,
As forças de segurança devem procurar cidade-a-cidade,
Vasculhar bairro-a-bairro,
Revistar casa-a-casa.
Sem esquecer as escolas, os cafés, os jardins…
Existem penas exemplares para quem não denunciar os criminosos,
A situação assim o exige.
Está em causa o futuro da Humanidade.
O futuro do sistema económico que construímos,
O futuro dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos,
O futuro das nossas vidas conquistadas com suor e trabalho.
Não se deixem vencer pelo cansaço:
Encontrem-nos!
Só quando conseguirmos eliminá-los poderemos viver em paz.
Num qualquer local desconhecido,
Mulheres e homens perigosos escrevem poemas.
Descurando as suas tarefas sociais,
Semeiam no mundo hieróglifos compadecidos.
É imprescindível intensificar as buscas.
E ao encontrarem esses infames
Esgrimindo verso após verso de caneta em riste,
Não hesitem:
Disparem!
Mesmo que seja amigo de infância:
Disparem!
Colega de escola:
Disparem!
Jogaram juntos com a mesma bola:
Disparem!
Ofereceu-vos da sua comida quando tinham fome:
Disparem!
É possível que sintam uma compaixão tolerante
Quando os descobrirem indefesos perante a vossa espingarda.
Não se deixem comover:
Apertem o gatilho e calem-nos para sempre!
Para bem do mundo,
Procurem a alcateia de mulheres e homens que inventaram a poesia.
É preciso encontrá-los antes que seja tarde...


Perto da fronteira solar...

⊆ sexta-feira, março 17, 2006 por GNM | . | ˜ 28 comentários »

Perto da fronteira solar,
ainda sob a luz condenada da noite,
escrevo sobre esse silêncio febril
na penumbra de uma chama tremida,
essa tempestade de águas turvas,
esses olhos ardidos pela insónia
convertidos em cegueira sem limites:
Escrevo sobre o amor.

É-se enfeitiçado como um bosque
onde sopra a brisa floral da Primavera,
incendiado como um bosque inundado
pela secura do sol espesso de Verão,
desnudado como um bosque suspenso
alcançado pela luz dourada do Outono,
condenado ao frio glaciar como um bosque
invadido pela brancura da neve do Inverno,
derrubado como um bosque prisioneiro
de um novo condomínio de luxo.

É-se rasgado e devorado como carne.

Tudo não passa de um clamor vertiginoso,
de uma miragem no horizonte embriagado,
obsessão desenhada pelas nuvens,
perfume enresinado dos pinheiros,
sempre passageiro e perpétuo,
queimado pela inocência demoníaca
dos corpos alagados de suor.

Mas escreve-se sobre amor como se existisse!
Como se fosse algo detido na palma da mão,
pedido emprestado, roubado, comprado,
demonstrado no vértice das palavras,
dnunciado com arrebatação do interior
do bosque inóspito que somos.

Tudo são feridas encerradas
nos aneís de fogo que assombram
as paisagens por conquistar.
Na linha universal do horizonte
está escrito que o mecanismo puro
a que chamamos amor,
não é mais que um fugaz acaso,
uma alucinação errante,
condenada desde sempre
ao esquecimento.


Instante elevado

⊆ sábado, março 11, 2006 por GNM | . | ˜ 39 comentários »

Tudo são chamas, talvez enganos.
Daqui a pouco, quando amanhecer,
Vou incendiar orvalhos, oceanos…
Golpear o peso torpe dos anos,
Secar orquídeas… Deixar de ser.

Não quero acompanhar-me mais.
Tic-tac tic-tac… eterno. Impaciência.
Incerteza: Afundar? Atracar ao cais?
Afundar? Sempre! Atracar? Jamais!
Antes a morte que a sonolência.

Morrer é beijar o infinito.
Para onde vou o céu é vermelho!
Inferno, quero-te real e não mito,
O infinito e eu somos um só grito,
Beijar o infinito é beijar o espelho.

Mundo? É só um cemitério girante.
Em mim não existe último desejo,
Tudo será arrebatamento, doravante,
Instante! Afirma-te, lendário instante.
Beijo-te infinito. O primeiro beijo…


Route 66

⊆ segunda-feira, março 06, 2006 por GNM | . | ˜ 32 comentários »

Ignição. O súbito uivar do motor,
Nada. Apenas a certeza da incerteza,
Sempre tão certa como o desamor,
As pontas dos dedos denunciam o tremor,
O infinito binómio esperança e tristeza.

Saint Luis, no teu céu perde-se o arco,
Na garrafa vidrada deixo a minha mensagem,
Que navega o Mississipi como um barco,
E em busca do infinito eu sonho e parto.
E a garrafa navega para longe desta margem.

No Park-in Theatre foge-me a realidade,
Hoje, a solidão assola o Garden Motel,
As paredes, entranhadas de humidade,
Denunciam décadas de amor e saudade
Da fantasia deslocada dos corpos mel.

Bridgeport tem a magia da cidade perdida,
Ninguém! E se lá te encontrasse?
Na cidade abandonada e esquecida
Vivem séculos de memória e de vida,
Que ruiriam no momento em que te amasse.

No Texas fita-me o sol fervente,
Escorre-me pelo rosto o suor salgado,
O Cadillac Ranch está aqui, á minha frente,
A arte, sempre igual, é sempre diferente,
Glenrio tem a secura do sonho abandonado.

Novo México, a imensidão da recta sem fim,
Eu, o deserto, e os postes de electricidade,
Mergulho na solidão, esqueço-me de mim,
Olho o espelho retrovisor: Existo sim!
Fervilham os sorrisos de ansiedade.

Arizona, descubro empedrados arvoredos,
Flagstaff devolve-me a gente, a multidão,
No Grand Canyon o sol nasce entre os rochedos,
Será um sonho? Não há consciência nem medos,
O fim está para breve… Não… Agora não!

Na California pressinto o aroma de maresia,
Steinbeck chamou-lhe a «terra da morte»,
Mil e uma cidades abandonadas… fantasia,
Ensaio as primeiras linhas de poesia…
Continuo vivo. Será azar? Será sorte?

A Route 66 chegou ao fim. Está terminada…
Los Angeles espreita-me de relance, ansiosa,
Breverly Hills… atravesso a cidade plastificada,
Santa Monica, o Pacífico é a beira da estrada,
Resta-me a memória da viagem audaciosa…

É ter fome, é ter sede de infinito…


A carta

⊆ quarta-feira, março 01, 2006 por GNM | . | ˜ 39 comentários »

Vida, cansei-me de ti.
O meu cálice do tédio transbordou.
Toda tu és apenas um enorme
Vácuo sem qualquer significado.
Estou farto das esperancinhas graciosas
Com que me manténs preso aos teus grilhões,
Enfastiado da tua pobre realidade,
De onde não posso fugir
Sem ser através destas letrinhas que,
Bem sei, sempre o soube,
Nada valem.
Nada.
Absolutamente nada.
Esta noite pensei em todos os sonhos
A que tu, madrasta, me impeliste.
E sorri.
Por que não me fizeste outro?
Empregado de escritório
Que sonha com o subsidio de férias?
Por que não me deixaste ser o mendigo
Cujo maior sonho é ter um par de sapatos?
Este noite, Vida, não suporto as tuas dúvidas pueris,
Estou cansado das tuas problemáticas existenciais
De adolescente de treze anos
Com o rosto semeado de borbulhas.
Não Vida, não.
Estás enganada.
Não tens treze, tens vinte seis.
Mas talvez devêssemos agir,
Uma última vez, como adolescentes.
Como aqueles adolescentes que namoram
Durante o intervalo grande,
(Aquele de trinta minutos ente as aulas
De matemática e educação física),
Nas alas desertas do liceu.
Até que um dia,
Ele percebe que é bem mais útil
Aproveitar o intervalo grande
Para jogar à bola com os amigos,
Até porque se não o fizer vai perder, para o Gordo,
O lugar na equipe de futebol da turma.
E ela percebe que aquela história
De ter hora marcada para o jogo dos beijos
Pode ser, por vezes, aborrecida.
Muito aborrecida.
Talvez devêssemos dar um tempo.
E eu, descansaria por uns tempos
Nos braços desconhecidos da morte.
E tu, dar-te-ias a alguém diferente de mim,
Alguém que te amasse de verdade,
Alguém que não merecesse ter-te perdido.
Aquele amante a quem tu abandonaste
Segundos antes de confessar
O grande amor que o percorria.
Sabias que esse amor está até hoje a ameaçar
Explodir-lhe o peito como uma granada?
Vá lá, dá-lhe uma última oportunidade…
Vida, antes olhava-te, e o brilhozinho
Bem no centro dos teus olhos, seduzia-me.
Eras fogosa. Fascinante…
Toda tu eras cor, e forma, e sonho, e luz.
Esta noite, olho-te, e o que vejo?
Um vazio. Apenas um vazio.
Estou cansado das tuas euforias,
Dos teus contentamentos impassíveis,
Das tuas noites em branco
Com a face colada à vidraça
À espera que algo que não sei o que é.
Estou farto das tuas mentirinhas,
Dos teu jogos de sorte e azar,
Farto das lágrimas que me enevoam
Os olhos. Se ao menos estivessem esburacados…
Talvez cegando consiga ver.
Vida, esta noite vou sair até de madrugada,
Não me telefones, não me procures,
Se conseguires, nem sequer penses em mim.
E quando eu regressar, cambaleante,
Se algum dia eu regressar,
Vou dormir no sofá verde-seco da sala.
Vida, acredito que sim,
Acredito que não tenhas culpa.
Talvez eu tenha mudado…
Talvez esteja diferente…
Mas estou farto,
Farto de esperar pelo que nunca acontece,
E como bem sabes,
Eu nunca gostei de esperar.
Perdoa-me Vida,
Mas esta noite,
Eu deixei de te amar.


Aresta do sonho

⊆ terça-feira, fevereiro 28, 2006 por GNM | . | ˜ 12 comentários »

Esta noite trepei pelas esquinas da estrela cadente,
E ali te encontrei, sentada no banco do jardim lunar.
As flores estremeceram, sorriste, voaste levemente,
Deste-me a mão, agarrei-a, e ensinaste-me a voar.

Viajámos para o inverso da languidez dos sentidos,
Com um só beijo, inundámos de fogo o céu escuro,
Silêncio de cristal… Navegam dois loucos perdidos,
Duas borboletas gigantes, em busca do pólen puro.

Unimos forças e invertemos a rotação deste mundo,
Flutuando como as barcaças nos canais de Veneza
Atingimos o sol, trespassámos o dourado profundo,
Com as doces pás da fantasia sepultámos a tristeza.

Até que se apoderou de mim a vil sensação do medo,
Num irreconhecível instante, temi não conseguir voar.
Trriiim!!! O despertador uivou estilhaçando o enredo,
Que maçada decepcionante, ter que voltar a acordar.


O mundo inteiro

⊆ quinta-feira, fevereiro 23, 2006 por GNM | . | ˜ 36 comentários »

O mundo inteiro. Todo! É meu. Mesmo sem ser meu.
Vive dentro deste corpo escanzelado o mundo inteiro,
O nosso mundo invicto: O único. O real. O verdadeiro.
Aquele que nunca ninguém viu, e nunca ninguém leu.

Nos mares do meu sangue nadam peixes prateados,
Navegam barcas com velas branco-sujo triangulares,
No céu do meu peito envolto em cores crepusculares,
Voam pássaros exóticos em voos livres e inesperados.

Na estrada árida das minhas mãos, uma rapariga ruiva,
Vestida com solidão, sorri aos fantasmas e aos medos,
Trago a lua ofuscante - hoje cheia - na ponta dos dedos,
E a alcateia, do bosque inóspito da alma, dança e uiva.

Vivem nas árvores dos meus braços os filhos rejeitados,
Dragões de garganta afogueada, e corajosos cavaleiros,
Os bandidos cobardes, e os mais bravos dos guerreiros,
Descansam na sombra amarga os amantes mal amados.

Na terra dos olhos dorme a mendiga do metro de Picoas,
Esvoaçam sobre o lago das lágrimas borboletas coloridas,
Mergulham os perigosos assassinos, e os tristes suicidas,
Mergulho eu, mergulhas tu, mergulham todas as pessoas.

Atravessa o rio salgado da minha boca um barco a remos,
As ruínas de Palatino estão nas curvas dos meus ombros,
Tudo o que resiste e existe em mim são só os escombros,
Só as saudades da saudade dos beijos que já não demos.


Sede

⊆ sábado, fevereiro 18, 2006 por GNM | . | ˜ 43 comentários »

Solidão nua! Apenas as estrelas, imóveis e rutilantes,
Me lançam olhares transparentes no céu semiescuro.
E eu, o homem sempre seguro de sorrisos confiantes,
Desvaneço aqui, nos braços da noite do dia mais duro.

Despedaçam-me saudades de tudo o que desconheço.
Sede! Sede de água fresca. Só me servem vinho tinto!
Estou seco, vazio, como um rio sugado no sol espesso,
Ferve o meu leito. Sê a água! Sê tudo o que pressinto!

És tu! Pressinto-te muito mais que um quadro bonito,
Muito mais que a doce cegueira dum breve devaneio,
Escrevo. Escreverei sem fim, nas sombras do infinito,
Para lá dos teus olhos… Que renasço quando os leio.

Renasço, durante o sono pacifico, como uma crisálida,
Tranco no sótão vinte e seis anos de sangue e mágoa,
A minha sede rescreve-se, mesmo que tímida e pálida,
Para ti, cristalizo esta noite em versos escritos na água.


Alucinação

⊆ terça-feira, fevereiro 14, 2006 por GNM | . | ˜ 34 comentários »

Hoje, catorze de Fevereiro de dois mil e seis,
Permaneço. E nada me interessa realmente.
Nem Pessoa, nem Baudelaire, regras ou leis,
Nem sonhos, nem esperanças, vidas ou gente.

Verdade? Não! Quero reinventar-me incessante,
A verdade é tão sólida como o sangue das veias,
Nesta esfera vã, grande, pequena, azul, girante,
Nada é verdadeiro, nada é falso, tudo são ideias.

Não acredito em sábios, somente na loucura,
“Criança prodigiosa que não sabe ortografia”?
Prodigiosa é a brisa que voa na noite escura
E invade o meu peito com o perfume fantasia.

Acredito em ti. Acredito em tudo o que dizes.
Tudo em ti é teu. É real. Mesmo sem ser real.
A realidade ora são trevas, ora são dias felizes,
Hoje galerias solitárias, de arquitectura ogival.

Depois, no silêncio cru, quebramos a parede,
Olho-te. Vejo-te. Vês-me? Mas onde estamos?
Senta-te. Bebe deste cálice, mata essa sede,
Descansa de ti sob a sombra dos meus ramos.

Tens olhos cor-de-amêndoa suave, misteriosos,
São iguais, tão perfeitamente iguais aos meus,
Doces, geométricos, transparentes, audaciosos,
Mas são tão diferentes dos meus, são os teus.

Teus. E apenas teus, como o são estes versos,
Sabes rasgar o céu! Quem te ensinou a voar?
Como consegues unir dois mundos dispersos?
Como consegues fazer-me continuar a sonhar?

Irrealidade, bem sei. Mas pouco me importa…
Pouco me importa porque sei que nada é real!
Só galerias solitárias, com paredes sem porta,
O resto são delírios, as minhas flores do mal.

Como dramaturgo russo, amor e dor na alma,
Em que viajem mais doce fui hoje embarcado…
Foi uma viagem estranha, ora feroz, ora calma,
Desembarco no vértice do horizonte alucinado.


Corrente...

⊆ domingo, fevereiro 12, 2006 por GNM | . | ˜ 11 comentários »

E assim, correspondendo ao desafio da Lique, a corrente das manias chegou a este blog!

As regras do jogo

"Cada bloguista participante tem de enumerar cinco manias suas, hábitos muito pessoais que os diferenciem do comum dos mortais. E além de dar ao público conhecimento dessas particularidades, tem de escolher cinco outros bloguistas para entrarem, igualmente, no jogo, não se esquecendo de deixar nos respectivos blogues aviso do "recrutamento". Além disso, cada participante deve reproduzir este "regulamento" no seu blogue."

Eu não gosto de hábitos. Se não soubermos viver, toda a nossa vida acaba por se tornar um hábito. Prefiro fazer algo uma única vez e sentir o que faço, do que fazer algo por hábito maquinal sem apreciar o momento.
Manias? Não sei se assim as posso chamar...
Assim, vou revelar cinco coisas que gosto de fazer, e que a maioria das pessoas não faz - acho eu!
Ficaram excluídos os verdadeiros prazeres secretos. Aqueles que são meus. Apenas meus. É que perder as chaves, a carteira, o telemóvel, ou mesmo o juízo, acontece todos os dias a muita gente e ninguém se importa. Mas perder os secretismo dos pequenos prazeres, não é fácil.

1- Durmo com as janelas abertas, mesmo quando está frio. O sono assim é mais revitalizante.
2- Adoro chá de canela. Inspira-me! Bebo dois ou três chás de canela por dia.
3- Gosto de andar à chuva. Percorre-me uma sensação de liberdade sempre que as gotas da chuva me escorrem pelo rosto, especialmente quando são as primeiras chuvas de Outono.
4- Gosto de repetir uma palavra vezes sem conta, de forma rápida e seguida. Até que chega um momento em que a palavra perde o sentido e a densidade. É nesse momento que a palavra se revela na plenitude, e consigo compreendê-la verdadeiramente. Mas as palavras são com as pessoas: Algumas não se revelam facilmente…
5- E falando em pessoas, perco-me em conversas intermináveis com a mulher que está todos os dias na escadas do metro de Picoas. Está velha e gasta. Diz-me que foi a mulher mais bonita do seu tempo. E eu acredito. Não sabe ler nem escrever. Não entende nada de política, nem de filosofia, nem literatura, nem economia. E é das pessoas mais sábias que o autor destas palavras conhece. Ganhem coragem, e quando passarem por lá falem com ela. Vão surpreender-se…

E já está.
Foi mais fácil do que eu pensava…
Bem, vou ter de escolher cinco cúmplices para continuar a corrente… Cá vai:

A Paula
A Cacau
A Neith
A Drems
A Lésse


Continuem a sorrir!


Jardim do Éden

⊆ sexta-feira, fevereiro 10, 2006 por GNM | . | ˜ 26 comentários »

Descobri que não existo realmente.
Sou apenas fruto da minha imaginação.
Toda a minha vida não é mais que um jogo imaginário.
O meu mundo, escrevi-o ao meu gosto.
Vivo num paraíso particular:
O meu Jardim do Éden.
Sim! Escrevi-o ao meu gosto,
Escrever é a única coisa que me prende,
A única coisa que me liberta,
Aqui, no mundo dos homens…
É a sensação mais lasciva e hipnótica que já vivi.
É arder no fogo da minha imaginação.
Queriam-me um cidadão bem comportado?
Queriam-me aparente, frívolo, domesticado?
Jamais serei rato da gaiola de testes de ninguém.
Renasço sempre que o meu cérebro
Explode como uma granada.
Não temo a insanidade.
A cada dia que passa a folha do calendário cai
Como as folhas das árvores no Outono,
E a cada novo dia que olho o calendário
Sei que posso estar a olhar para a data da minha morte.
Livrem-me da neblina cinzenta do quotidiano,
Da vidinha dos dias insípidos, secos, descolorados…
Na minha vida quero que tudo seja mítico,
Ou que tudo esteja morto.
O meu mundo envergonha o arco-íris,
A realidade é sépia como uma fotografia velha.
Nada é tão decepcionante como viver a realidade.
Basta de pensar nela.
Vou apagar a luz e abrir o portão...


Leva-me a ver o mar...

⊆ domingo, fevereiro 05, 2006 por GNM | ˜ 34 comentários »

Não sou um homem, sou um exército inteiro,
Em alerta vermelho, aguardando o momento,
Em que o tempo, silencioso como um mosteiro,
É rasgado pelo aroma das tuas palavras ao vento.

Estremeço. Invade-me a noite suspensa, inumerável,
Esta é a minha última noite. Deixa-me encontrar-te…
A minha vida é uma avenida solitária, interminável,
Onde não existe o mar, mas só alguém a sonhar-te…

Misteriosa… Já não preciso de te ouvir nem de te ler,
Vejo, ao longe, os teus sinais de fumo a pairar no ar,
Para lá da montanha mágica, onde a sede de viver,
É a cor das paredes da casa que escolhi para morar.

Num único golpe, despedaço os nossos universos,
E refaço-os num só, onde podemos crescer e voar,
Advinhas-me triste, só o sou no reverso dos versos,
Mas faz-me ainda mais feliz… Leva-me a ver o mar.


Miragem Rodopiante

⊆ quinta-feira, fevereiro 02, 2006 por GNM | . | ˜ 19 comentários »

No meu mundo os candeeiros não brilham na rua,
Não são precisas fórmulas, nem planos futuros,
Eclipsou-se o sol, despedaçou-se em cacos a lua,
Elevaram-se as pontes, derrubaram-se os muros.

Não se sabe tudo, sabe-se apenas o suficiente,
Com um archote dourado queimou-se a certeza,
Paira no ar o perfume pueril da loucura resistente,
Sorve-se um cálice na alegria, sorri-se na tristeza.

No meu mundo poetizo-te à noite, secretamente,
Arde-me o sangue em labaredas desengonçadas,
E os meus olhos observam-me a arder, friamente,
Devoram-me dicotomias infinitas e inconfessadas.

A fantasia silenciosa renasceu, trajada de bailarina,
As estrelas comovem-se com tais gestos afinados,
Consagrando a dança mais pura, suave, cristalina,
Celebrando a alma, no mais límpido dos bailados.

Tocarei este violino, até que as cordas se rasguem,
Quero enlouquecer o tempo do teu bailado sem fim,
Poetizar-te, até que as palavras cruas me engasguem,
Até que as chamas me sorvam vivo, até fugir de mim.


Vigília

⊆ segunda-feira, janeiro 30, 2006 por GNM | . | ˜ 20 comentários »

Pousaste as armas e abandonaste-te à dor,
Julgas-te só, perdida numa floresta maliciosa,
Na tua pele, pálida como uma magnólia em flor,
Desliza a lamina cortante de uma dor silenciosa.

Irradia dos teus olhos a tristeza envergonhada,
Daquelas que se descobrem ao virar da esquina,
Ao tropeçar numa miragem, suave e adocicada.
Crueldade, a que a vida nos impele, nos destina.

Eu estou aqui. Nunca estiveste só, minha querida,
Vou secar as tuas lágrimas com todo o meu calor,
Serei a água fresca que corre nos rios da tua vida,
Serei a esperança que te traz de volta o esplendor.

Serei o pão da tua mesa sempre que tiveres fome,
Serei o fogo flamejante que te aquece na noite fria,
Serei o ar puro que respiras, que em ti se consome,
Serei o amigo recôndito que te abraça ao fim do dia.


Violeiro

⊆ quinta-feira, janeiro 26, 2006 por GNM | . | ˜ 28 comentários »

Sou um velho violeiro. Construo o último violino.
Reflexo de décadas de mil mágoas esconjuradas,
Ásperas como abismos de encostas escarpadas,
Num regresso à realidade, cruel como o destino.

Eternamente adiado, agora inevitável e repentino,
Materializam-se, em série, as imagens desfocadas,
Stradivarius é um mito diluído em águas passadas,
Esta é a obra derradeira, de som perfeito, cristalino.

Ora forte, perfeitamente profundo, grave e cavernoso,
Ora leve, ligeiramente ondulante, agudo e misterioso,
Capaz de fazer quebrar o cristal das vidas audaciosas.

Será o violino perfeito: obsessivo, exacto, luminoso…
Fruto de goivas, escopros, plainas, e rigor minucioso,
Eternamente nessas tuas mãos, suaves e fervorosas.


Abraça-me

⊆ sábado, janeiro 21, 2006 por GNM | . | ˜ 31 comentários »

Como um fantasma misterioso, tu, sejas quem fores,
Levitas, invisível, nos vis corredores do meu mundo.
Desconheço-te. Ignoro os teus traços, as tuas cores,
Mas sinto o teu cheiro, um suave perfume profundo.

Quando te verei atravessar a minha sala? Perdoa-me.
Sim, perdoa-me por denunciar esta pueril ansiedade,
Mas o crepitar das palavras contagiadas, magoa-me.
Dá-me um sinal. Diz-me que existes. Que és verdade.

Existo só no fim da noite, onde existes tu, verdadeira.
Estou enlouquecido, tão perfeitamente enlouquecido,
Que vou encontrar-te entre as sombras da vida inteira,
Olhar-te nos olhos, respirar-te, encontrar-me perdido.

Emerge agora deste desconjunto de sonhos e poesias,
Existes em mim, tudo o que sou, que escrevo, que faço.
Vem, sem perder tempo. Vem até mim, de mãos vazias,
Dá-me a melhor prenda que jamais recebi: o teu abraço.


simples sabor da água límpida

⊆ sábado, janeiro 14, 2006 por GNM | . | ˜ 36 comentários »

os homens medem-se pelos gestos
todas as cores que derramam
são absorvidas pela tela da vida
escondem-se por trás de títulos e vitórias suadas
escondem-se por trás de bens
efémeras dádivas
na hora do crepúsculo todos estaremos nus
o meu crepúsculo é o teu crepúsculo
a minha casa é a tua casa
o meu mundo é o teu mundo
tu e eu somos o universo inteiro
falhado como um poema
qualquer poema é um falhanço
se não fosse um falhanço não seria poema
antes o fervor líquido de duas bocas comprimidas
consagrando a insolência dos corpos em chamas

os únicos lábios que beijámos foram os das nossas feridas

somos a desordem da ordem podre
somos ordem
eucaliptos enfileirados
amor de infinitas reticências
amor que não está morto
amor que não está vivo
tu és apenas tu
eu sou apenas eu
amor é apenas amor
ideia
não se pode aprisionar nas algibeiras
não tem alfandegas nem fronteiras
nem palavras nem barreiras nem maneiras
ébria simplicidade

soterraste a chave da última gaveta de mim
mar salgado perdido para sempre
a verdade não mergulha em água doce
foi ferida por um leito espinhoso
respira na alma nua atingida pelo fogo
sufoca-me na garganta o grito de reinício
como se a vida não existisse para além da tua carne
indefinição do leito abstracto

onde tudo acaba tudo recomeça

retiro os escombros do peito
e construo dentro de mim uma nova casa
com vista para o impossível
mas os tijolos sangram
como se estivessem a ser utilizados
para a construção de um túmulo
jamais
estou mais vivo que a própria vida
direi à morte quando vier
de mansinho ao meu encontro
durante os próximos cem mil anos

caminho pelas palavras para um eu desconhecido
só quem sabe o que é
pode escolher o que quer ser
não quero saber o que sou
caso seja alguma coisa
o desconhecimento é a minha única verdade


Diálogo dos deuses

⊆ segunda-feira, janeiro 09, 2006 por GNM | . | ˜ 25 comentários »

- A Terra está apagada! Não carreguei no interruptor.
Quem foi que a apagou? Responde-me. Não te cales.
- Crashou! Sobrecarga de informação, deficit de Amor,
Eles crêem que o Amor é a causa dos seus males.

- Como podem crer nisso? Alguma vez amaram?
- Duvido. Nunca vi Amor nesse canto do Universo,
Mas uns loucos, chamados poetas, já o sonharam,
E sozinhos, insistem em procurá-lo verso após verso.

- Pobres Humanos… Quão grande é a sua cobardia,
Têm muita pena de si próprios, para saberem amar.
E arrastam-se pelos becos da vida com a alma vazia,
Nada. Absolutamente nada. É tudo o que vão encontrar.

- E continuam a dizer-se Humanos! Suprema ironia.
- É mesmo muito estranha essa gente lá da Terra…
- Mas quem sabe se não vencem os medos, e um dia,
Saboreiam o sublime prazer que só o Amor encerra.


Quando o mundo avaria

⊆ sábado, janeiro 07, 2006 por GNM | . | ˜ 18 comentários »

Gosto quando o mundo avaria!
Sou percorrido por um espectro de liberdade
Sempre que o comboio pára sem motivo,
Sempre que a electricidade falha
E os interruptores não obedecem ao meu comando,
Sempre que a tempestade me retém
Por tempo indeterminado no aeroporto,
Sempre que o mundo pára de girar
No seu sentido previsível.
Aí, sinto-me de novo criança:
Assola-me uma curiosidade infantil,
Percorrem-me expectativas pueris
Acerca do que irá acontecer a seguir,
E sou livre!
Estou liberto da responsabilidade
E tudo o que tenho de fazer é simples:
Esperar. Só esperar.
Mas o mundo retoma sempre
A sua normalidade decrépita:
O comboio arranca de novo,
Os técnicos corrigem a avaria na rede eléctrica,
A tempestade rende-se e o avião levanta voo.
E volto a lembrar-me que sou adulto,
E com essa lembrança recai sobre mim,
A neblina cinzenta do quotidiano,
A memória das oportunidades perdidas,
A amargura das desistências fáceis,
A frustração dos objectivos falhados,
Quando ainda existiam objectivos.
E retomo a noção da distância que
Existe entre mim e o mundo ordenado.


Água

⊆ quinta-feira, janeiro 05, 2006 por GNM | . | ˜ 17 comentários »

Antes costumava acordar tarde
Só para sonhar um pouco mais.
Quando é que te conheci?
Foi na Segunda-feira passada?
Foi há vinte anos?
Não me lembro.
Ou talvez não queira lembrar-me…
Não preciso de me lembrar.
Hoje, dormir para sonhar
Parece-me perfeitamente inútil.
É como construir um poço junto a um rio.
A água já lá está,
Não é preciso procurar mais por ela.


Vácuo

⊆ segunda-feira, janeiro 02, 2006 por GNM | . | ˜ 24 comentários »

Silêncio oco. Apenas o crepitar da lenha na lareira.
As pálpebras tornam-se pedra. Aconchego-me no divã,
Mantendo os olhos fixos nos vidros da janela soalheira,
Onde observo o hoje, igual ao ontem, igual ao amanhã.

Um formigueiro (serão pessoas?) circula sem sentido,
Desfila pelas ruas em busca da prometida felicidade!
Felicidade! De todos, és tu o vocábulo mais pervertido,
Não existes, mas fazes crer o contrário. Vil maldade.

Jaz uma estátua ridícula, bem no centro desta rua,
Ditadorzito outrora, hoje pousa-pombos empedrado,
De olhar fixo num outdoor com uma mulher seminua
Que exibe nas mãos um pequeno telemóvel prateado.

Com cabelo cor-de-trigo, camisa branca e gravata,
Desfilam dois jovens profetas, detentores da verdade,
Dizem ter respostas para esta angustia que me mata,
No primeiro livro de anedotas da história da humanidade.

Só eu é que não encontro em livros resposta nenhuma!
Uiva um vendaval de “perguntas pueris” dentro de mim.
Vinte seis anos de dúvidas! E certeza, se tenho alguma,
É que sei tanto agora como sabia no primeiro dia do fim.