Não sei o que queres dizer com glória, disse Alice.
Humpty-Dumpty sorriu, com desprezo. Claro que não, até que eu te diga. Quero dizer "aí tens um belo argumento que te arruma!"
Mas "glória" não significa um belo argumento que te arruma
, objectou Alice.
Quando eu uso uma palavra, disse Humpty-Dumpty, em tom de escárnio, ela significa o que eu decidir que significa, nem mais nem menos.
O problema é, disse Alice, se se pode obrigar as palavras a significar tantas coisas diferentes.
O problema é, disse Humpty-Dumpty, quem manda. Apenas isso.

Lewis Carroll, Alice no país das maravilhas




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GNM


Nasci muito perto do fim dos anos 70. O meu nascimento aconteceu às primeiras horas de um dia gelado de Dezembro, e, desde aí, jamais consegui libertar-me do frio que se fazia sentir naquele dia. A normalidade foi algo que durante toda a vida inconscientemente ansiei, mas sempre recusei. Em criança ela espreitava-me durante a noite, olhando-me do lado de fora da janela. E eu, fingindo não a ver, fechava as cortinas...

Vou pintar as paredes...

⊆ sexta-feira, agosto 18, 2006 por GNM | . | ˜ 35 comentários »

Vou pintar as paredes do quarto de verde-seco. Qualquer cor é preferível ao amarelo deslavado que agora as tinge, e aviva todo um passado que quero enterrar. Duas a verde-seco, as outras duas a branco; o tecto… branco também.
A cama, a estante, o tapete, sem esquecer os lençóis, são memórias de uma tempo que preciso de esquecer.
- Levem tudo isto daqui!
- ?!
- Sim. Levem tudo! Deitem no lixo, façam o que quiserem, mas levem isso daqui.
Deixo as janelas abertas e as cortinas corridas enquanto dois homens assustados montam a mobília nova. Não importa o frio, não importa a chuva: preciso de devolver ar fresco a esta existência bafienta.
Na sala, a roupa nova ainda ensacada olha-me desde o lado direito do sofá; retiro as etiquetas e visto-me de presente. Gostava de olhar-me ao espelho, mas não sou capaz. Assusta-me ideia de não conseguir ver nada reflectido do outro lado. Tenho um medo terrível que o espelho denuncie que já não existo, pois a cada dia que passa me sinto a sumir gradualmente, como a chama de uma vela que se apaga lentamente.
Estou tão cansada de mim própria, que tenho vontade de fingir-me outra pessoa.
Tudo terá de mudar… Sim! Doravante nada poderá continuar a ser como dantes. Não preciso sequer que seja melhor, quero apenas que seja diferente. Tudo diferente.
Adeus Andreia!


Excerto de um conto.


35 respostas a Vou pintar as paredes...

  1. Anónimo Says:
    Pobre homem! A tua escrita reflecte uma angústia permanente de flatulência existencial. Coitadinho! Fazes-me chorar, tanta desgraça! Snif, snif...
  2. Anónimo Says:
    Olá amigo poeta!
    O tempo não tem sido muito para visitar os amigos por aqui nem sequer para colocar os meus pensamentos azuis on-line... são fases, esta é a do trabalho por turnos, que torna as vindas aqui mais complicadas. O que não quer dizer que desapareça! :) Descobri há pouco que tens outro blog, o das crónicas. Malandro, não me disseste que escrevias para além do Extranumerário. Escrevi-te lá, espreita. Continuas a escrever lá?

    Concordo com a Vera, ultimamente os teus textos são sempre de um sofrimento incrivel... quase dá para ver a dor, as palavras são quase transparentes. Gostei especialmente da passagem "retiro as etiquetas e visto-me de presente. Gostava de olhar-me ao espelho, mas não sou capaz. Assusta-me ideia de não conseguir ver nada reflectido do outro lado. Tenho um medo terrível que o espelho denuncie que já não existo."

    Tão bonito... até arrepia.

    Deixei um novo pensamento lá nos meus azuis, sobre o meu mar. Até breve.

    Kita
  3. Eli Says:
    Mesmo que mudemos tudo à nossa volta, o que nos identifica perante nós mesmos será a essência por abandonar... senão já nao serias tu, nem eu. E as memórias desenhadas devem ser guardadas, nem que seja num caixa fechada.


    :)
  4. Maria Carvalho Says:
    Como sempre (isto já se torna um lugar comum...) gosto de te ler, seja poesia, seja prosa. É preciso mudar o que nos rodeia, algumas vezes. Quando decides mudar algo, é porque já mudaste por dentro. Acho muito belo o teu texto. Não tão triste assim, como outras pessoas comentaram. Por isso, a interpretação é tão subjectiva! Beijinhos, bom fim de semana para ti.
  5. Thiago Forrest Gump Says:
    Bela demonstração de atitude!



    Um abraço
  6. Ash Says:
    Vale sempre mudar, por vezes e como dizes nem sabemos se para melhor, mas o facto de queremos mudar algo já nos traz novo alento.

    Beijinhos
  7. Madeira Inside Says:
    Olá!!
    Gostei muito deste pequeno excerto!! HUmmm...como será o conto todo...:)

    Beijinhos
    Sorrir...sempre!
  8. Carla Says:
    Fizeste-me lembrar uma parte de um conto que eu mesma escrevi a 07-02-2006, partilho um trecho contigo e deixo votos de uma boa semana.
    Beijos

    "Na penumbra, o reflexo do olhar no espelho, revelava um rosto marcado pelas lágrimas, o cansaço era evidente...
    Reviveu o passado, sofrimentos que marcam a sua vida presente...
    Ali, naquele instante, as fraquezas que esconde aos olhos dos demais, são bem perceptíveis...
    Toda a sua vida passa-lhe diante dos olhos..., já não suporta o seu próprio reflexo no espelho, vira-se... não quer mais olhar a imagem nele reflectida....
    Mas as sombras, os fantasmas, esses pairam para além do reflexo... as imagens, as palavras, o passado eco do momento presente...
    Sabe que não irá conseguir dormir essa noite... a cama está fria, como o seu coração...
    Vazio..."
  9. Anónimo Says:
    Não tenhas receio de te olhar ao espelho.
    Passei uma fase que também tive, mas resolvi olhar-me e deparei com alguém que não gostei.
    Isso fez-me mudar. Para melhor. Ajudou-me a repensar e a tornar-me em quem sou hoje. Eu própria.
    Tenho um post no meu blog,
    chamado "Espelho.de.Mim".
    Convido-te a olhá-lo
    e vê o que senti ao arriscar-me a olhá-lo.
    Bjocas
  10. Claudia Sousa Dias Says:
    Gostei.Muito. Aoro este registo.

    Quero ver mais.

    CSD
  11. joaninha Says:
    Vim ler-te. Senti de repente uma saudade imensa da tua poesia, mas para surpresa, encontrei um texto que me pareceu conhecido... mas não, é um pedaço de um conto teu e não uma das folhas do diário que escrevi... é realmente estranho como tantos de nós passamos para o papel (Blog) o que nos vai no pensamento... muitas vezes descrevendo uma realidade vivida...
    Gostei muito e como sempre, muito bem escrito. Beijinhos sorridentes
  12. Anónimo Says:
    É assim mesmo que mudamos. Começamos pelas paredes, móveis novos, roupas novas, corte de cabelo, mas não ousamos olhar o espelho, pq o velho ainda sai pelos olhos!

    Beijinhossssss
  13. osimachina Says:
    aprecio bastante os teus registos! continua!
  14. Anónimo Says:
    Está diferente.........
    E tu, tu, tu............
  15. Anónimo Says:
    Gostei muito deste excerto do conto e fiquei curiosa em saber mais!

    Parabens pela escrita leve e envolvente, 5 estrelinhas para ti*****

    Beijinho GNM
    Princesa
  16. Anónimo Says:
    Mudaste o teu espaço. :-)
    Colocaste de um verde-seco-acinzentado :-)
    Tal como no pequeno excerto de conto. :-)

    Belo...

    Beijo doce
  17. Anónimo Says:
    Boa tarde.

    Grandes mudanças no seu blogue.

    Gosto da actual configuração, muito dentro da linha da anterior. Só lamento não conseguir ler os textos passados, pois um ou outro eram lidos por mim repetidamente.

    O excerto do conto que nos ofereceu, está, como aliás tudo o que escreve , muito bom.
    Pareceu-me no entanto, mais um desabafo ou grito de revolta do que propriamente uma atitude de ruptura ou uma decisão definitiva do protagonista do conto.Esse grito bem real, quando a nossa auto-estima pende para valores negativos.E quem nunca se sentiu assim? Certamente que seremos muitos a entender e a identificarmo-nos com a mensagem do conto. E em jeito de desabafo, gostaria eu de estancar o meu pensamento para não lembrar tanto.

    Parabéns pela escrita.
  18. segurademim Says:
    ... olharmo-nos ao espelho, apreciar o que vemos e dialogar com essa imagem reflectida, é um exercício óbvio de problematizar a vida... saudáveis monólogos

    quando as coisas não estão bem é ao espelho que se nega, a imagem, o sorriso

    tudo diferente. gostei. :)
  19. zita Says:
    Olá Gonçalo:

    Muito obrigado, pela tua passagem mais uma vez no meu cantinho, mas efectivamente não pretendo voltar á blogosfera, senão como visitante.

    Mas não deixo de vir ler o que escreves.

    Beijo
    Zita
  20. nana Says:
    gostei do post mas não optaria pelo verde nas paredes!!
    ;)
  21. Leonor C.. Says:
    Não há pior cansaço do que aquele que sentimos de nós próprios. Ele pode transformar-se em pena. É preciso lutar para que tudo se renove, ainda que diferente.

    Bjs.
  22. Rita Says:
    Quem conhece o seu coração, conhece todos:) Um abraço.
  23. Thiago Forrest Gump Says:
    Passei para deixar-te um grande abraço. :)
  24. Maria Liberdade Says:
    Podemos mudar tudo à nossa volta. A nossa alma é mais dificil. Boa sorte Andreia! :)
  25. Su Says:
    a mudança só pode ser feita dentro de nós...o resto são pequenas alterações.......

    jocas maradas de mudança
  26. Thiago Forrest Gump Says:
    Um excelente sábado para você.


    Abraços
  27. Carla Says:
    Passei por aqui e aproveito para te desejar um bom domingo.
    Bjx
  28. Anónimo Says:
    Ha mto tempo que nao passava cá. Deixo-te um beijinho e desjo-te b domingo ;**
  29. agua_quente Says:
    Uma ruptura com tudo o que lembra o passado. Gosto sempre de teler, Gonçalo.
    Estamos de volta. Beijos
  30. Anónimo Says:
    O teu comentário (último) no Pensamentos Azuis deixou-me com um sorriso. Tu, meu fã... ainda por cima, "o primeiríssimo"! Logo eu, que, com a minha escrita, nem te chego aos calcanhares. É uma honra enorme saber que tenho um fã como tu. :)

    Cada vez gosto mais de passar por aqui, sabes? Este teu espaço transmite-me uma calma tão boa que estou a ficar dependente das tuas palavras...

    Falando nisso... tou a pensar ir encomendar o teu livro na Fnac, já que, como eu te disse, não existe lá à venda. E já o vou comprar tarde, para uma fã da tua escrita tão grande como eu, não é? ;) Também acho... mas depois, haverá alguma possibilidade de mo autografares, dado que vivemos "um bocadinho" longe?

    Beijinhos da tua fã. Sempre.

    Kita

    P.S.: Obrigada pela força que deixaste no meu blog de animais sobre a morte do meu Muschi. Tocaram-me as tuas palavras... és lindo.
  31. Anónimo Says:
    Olá meu (salvo seja) poeta preferido...presumo que estejas de férias..eu voltei hoje (buáaaaaa...).
    Gostei deste pedaço do conto...será...será que um destes dias temos ai um livro de contos???
    E o resto do conto???
    :D

    Beijoossss (recatadissimos) da Princesa

    Ps esta musica... as musicas dela são assustadoramente fascinantes...esta está perfeita para este blog
  32. Anónimo Says:
    Vou-me deliciando aos poucos com o livro...lembro-me mtas vezes dos comentários que te ia deixando em alguns deles.


    Um dos meus livros de cabeceira
    ...talvez me encontre mesmo por lá.
    :)


    Por onde andas Gonçalo Nuno?
  33. Anónimo Says:
    Gonçalo Nuno
    ...estive por lá HOJE!!


    Nada é estranho...é só
    bonito demais.
    "Acredito em ti.
    Acredito em tudo o que dizes.
    Tudo em ti é teu.É real."
    (gnm)


    Obrigada pelo teu sorriso
    ...e pela flor.
  34. Fernando Palma Says:
    narrativa densa, leve , conatgiante..


    Estou precisando "vestir-me de presente"

    Beijo.
  35. Fernando Palma Says:
    ops.. abraços! :)

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