Não sei o que queres dizer com glória, disse Alice.
Humpty-Dumpty sorriu, com desprezo. Claro que não, até que eu te diga. Quero dizer "aí tens um belo argumento que te arruma!"
Mas "glória" não significa um belo argumento que te arruma
, objectou Alice.
Quando eu uso uma palavra, disse Humpty-Dumpty, em tom de escárnio, ela significa o que eu decidir que significa, nem mais nem menos.
O problema é, disse Alice, se se pode obrigar as palavras a significar tantas coisas diferentes.
O problema é, disse Humpty-Dumpty, quem manda. Apenas isso.

Lewis Carroll, Alice no país das maravilhas




rascunhos
de
abordagens
(eventualmente)
literárias



GNM


Nasci muito perto do fim dos anos 70. O meu nascimento aconteceu às primeiras horas de um dia gelado de Dezembro, e, desde aí, jamais consegui libertar-me do frio que se fazia sentir naquele dia. A normalidade foi algo que durante toda a vida inconscientemente ansiei, mas sempre recusei. Em criança ela espreitava-me durante a noite, olhando-me do lado de fora da janela. E eu, fingindo não a ver, fechava as cortinas...

Tenho a vida...

⊆ domingo, julho 23, 2006 por GNM | . | ˜ 36 comentários »

Tenho a vida atravessada de palavras.
Estou cansado de todas as
palavras que atracam às linhas do meu caderno.

Das obscuras, indecifráveis, abandonadas na lama.
Das frescas, vigorosas, fingidas a dois tempos.
Das odiosas, carnais, duras como pedras.

Desapareceram as borboletas do meu caleidoscópio poético.

Sempre as mesmas forças destruidoras
e as mesmas estrofes esfoladas e as mesmas paisagens ardidas.
E outra vez e outra e uma vez mais.

As palavras nascem-me gastas, enrugadas,
como o teu rosto quando já não te lembrares do meu nome.

Tudo é deserto, abafado, irrespirável,
mar infinito de areia fervente.
Tudo é gente arrastando-se
por montanhas de luto e vales de sombra.

Sejam palavras sólidas ou amargas,
sejam enevoadas ou melífluas,
estou farto.

Enjoei o alfabeto inteiro.


36 respostas a Tenho a vida...

  1. Su Says:
    gostei de estar aqui....
    jocas maradas de palavras
  2. Carla Says:
    Mas não são apenas palavras... são reflexos de sentimentos em papel gravadas...
    Beijo e boa semana
  3. digoeu Says:
    prefiro as palavras ao sil~encio, mas em dias de "trovoada" prefiro dizê-las baixinho: não vale a pena gerar trovões de medo!!
    ;)
  4. Maria Carvalho Says:
    'Enjoei as palavras'...mais um poema em que mostras que as palavras são, precisamente, aquilo que te dá Vida! Belíssimo! O alfabeto está à tua mão para o utilizares desta maneira maravilhosa de sempre! Beijos.
  5. Cláudia Says:
    Mais um lindo jogo de palavras. Aprecio a forma como brincas com elas e tal como aqui foi dito, o afabeto está a teus pés porque tu consegues dominá-lo na perfeição. Lindo!
  6. Pink Says:
    O extremo desencanto do poeta perfeitamente retratado neste poema. Excelente!

    Um beijo
  7. Anónimo Says:
    Queria deixar-te um comentário e até já escrevi várias coisas...
    Mas definitivamente hoje nada me soa bem.
    Por isso olha, deixo-te um sorriso!

    Beijinho grande!
  8. MS Says:
    Há momentos de exaustão e desgaste das palavras... por vezes, é preciso silenciar!

    Só dp poderás reencontrar o gosto pelas letras postas em poema...

    bjs
  9. Susana Fonseca Says:
    "As palavras nascem-me gastas, enrugadas,
    Como o teu rosto quando já não te lembrares do meu nome."

    As palavras que melhor reflectem o sentir, gastam-se quando quem o deve sentir, já não sente, porque deixou de ouvir, porque deixou de sorrir...e agora serão os actos suficientes para renovar, sem palavras, o que existiu?
  10. Jorge Castro (OrCa) Says:
    Tem dias assim... Mas outros há em que as palavras são as pontes que nos unem.

    São danadas, as palavras!

    Um abraço.
  11. jorgeferrorosa Says:
    Sejam palavras, nomes em fila, macerados pelo som, por tudo e por nada... e neste nada, encontro o teu que é o meu, este mundo literário, belo, profundo, cheio de tudo aquilo que desde todos os séculos procurei... apenas palavras, porque o resto não me pertence, nada mais me pertence, nem as interpretações que fazes de mim e as outras que ficam apenas no acto!
    Gostava de te dizer algo mais belo, mas fico a anos de luz da beleza da tua escrita, do perfume dos sons e da cintilação de tudo o que nos toca, tal como a música que de cada vez enceta o perfil de um novo estado, talverz desta presença amarga e ultrapassada pelo tempo. Deixo-te um abraço, aquele que nunca te dei, o que não te posso dar... nada te posso dar, os deuses mataram-me a alma desde aquele dia, agora tenho um pedaço de seiva branca! Tu não entendes este desconcerto das palavras, elas são o meu alimento, a força da presença quando estou ausente. Gsoto do que escreves, voltarei um dia se a vida me permitir tal tal presença. O fogo continua a arder... desculpa, tenho de ir, está muito calor! Não posso esquecer de dizer-te que adoro o que escreves. Verdade... abraços ao centro da poesia, pela paixão da filosofia e da voz eterna. Até um dia, talvez até depois... olha até que seja possível derramar um pouco mais de mim.

    Abraços para ti, Gonçalo. Jorge Ferro Rosa, do Caderno da Alma
  12. digoeu Says:
    podes ler um pedacinho mais!
    ;)
  13. Anónimo Says:
    Por favor tira férias!!! Isso é cansaço ;) Vais ver que depois voltas a amar o teu abecedário...
    Gostei deste teu poemas (as usual)
    Beijos e se for acaso disso umas exelentes férias :D
  14. Alex Says:
    Pois eu diria que não se nota nada.
    Mas acredito em ti.
    Acredito que está na hora de saires um pouco de ti mesmo, talvez possas ver o horizonte de uma outra perspectiva. Quem sabe. Nem tu sabes da força que de repente irrompe e te trás as palavras sábias com que sempre nos fazes abrir os olhos, nos fazes pensar.

    Quase que me atrevia a fazer-te um convite mas

    fica ao teu critério :-)

    Um beijo enorme para ti amigo Gonçalo e sorri, sempre.


    Nota: Em relação ao não ter medo de nada, quantas vezes tenho essa mesma sensação e não imaginas o quanto isso me assusta. Obrigada pelas tuas palavras.
  15. folhasdemim Says:
    Fabulosos os teus poemas!
    Parabéns pelo livro.
    Até sábado na Qta. da Ribeirinha?
    Beijos, Betty
  16. segurademim Says:
    ... encontrarás um alfabeto alternativo!!! que eu sei

    beijo :)
  17. Peg solo Says:
    podes enjoar o que quiseres pois so estarás sem palavras qd as letras enjoarem de ti, e essas não sabem, não pensam , só são e por isso ... não enjoam!
    depois do impossivel acontecer os poemas serão feitos de números ;)
  18. Eli Says:
    O silêncio das palavras que não se ouvem, nem se dizem, porque não existem, para que haja paz...

    :)
  19. CLÁUDIA Says:
    Há combinações realmente perfeitas.

    Foi o que encontrei ao chegar cá hoje. O teu texto. A música. O momento. Foi perfeito.

    Obrigada. :)))

    Beijinhos ***
  20. Cristina Says:
    Bom fim de semana
    :)
    beijinhu
  21. Anónimo Says:
    Só eu não enjoo de te ler ... :)

    Palavras para quê, para quem? Sabes usá-las e expressas-te de forma tão magnífica, que dizer qualquer coisa sería estragar!

    Beijo e sorriso para ti
  22. AntropoLógica Says:
    Lindo poema. Gostei muito. :)

    O problema das palavras é que é fácil esquecermo-nos de que são meros significantes... É fácil (quase tentador) convertê-las em significados, torná-las no centro quando deveriam ser sua simples representação.

    Quando chego a este ponto normalmente refugio-me no silêncio. Permito-me ouvir o que se passa em mim, para lá da sua verbalização, para que possa redescobrir as verdades puras e intocadas pelo racional...

    Bjs,
    A.

    PS - Ainda não tive oportunidade de o dizer, acho eu: muitos parabéns pelo "Nada em 53 vezes"! Andei em busca dele pelo Chiado, mas disseram-me que só em Cascais..
  23. © Piedade Araújo Sol (Pity) Says:
    Enjoei as palavras!!!

    Não!!!

    As palavras são tudo o que lhe queremos transmitir, e aqui, notei sentimentos em palavras...

    Enjoei as palavras!!!

    Talvez um desencanto de momentos, talvez e só isso....
  24. Anónimo Says:
    Faço tuas as minhas palavras revi-me incondicionalmente nelas!!!!

    Beijos em 53 vezes de Magia
  25. Anónimo Says:
    Por vezes as palavras transformam-se em inconveniências e saturações, talvez porque a fala e a presença amiga do outro em pessoa física, não existam. Tudo de bom e boas férias se for caso disso.
  26. Thiago Forrest Gump Says:
    Enjoa o alfabeto mas não enjoe da blogosfera!



    Abraços
  27. Maria Liberdade Says:
    Então não digas nada!
  28. Anónimo Says:
    Há dias assim...mas depois da tempestade vem a bonança. Grande abraço
  29. Memória transparente Says:
    Gostei de ler.
  30. Fallen_Angel Says:
    owwa :o)
    simplesmente windo :o)
    cai aqui sem querer e voltarei mais vezes :o)
    **(+_+)**
    Anjinha
  31. Luis Enrique Says:
    Alguém disse q as palavras é um ser mais no mundo. Estou grato de cá voltar e ler a sua bela poesia meu bom amigo.
  32. Anónimo Says:
    Fiquei com calor depois de ler este poema. Sufocante!
  33. Anónimo Says:
    Fiquei com calor depois de ler este poema. Sufocante!
  34. Anónimo Says:
    Caro Gonçalo, porque são as palavras um sufoco para ti? Porque estás farto delas se são elas que te dão estes inúmeros fãs? O que seria o mundo sem o alfabeto, sem as palavras... não seriamos ninguém. O mundo ficaria mais pobre, principalmente porque não escreverias mais poemas.
    Desta vez deixaste-nos com uma veia poética realmente sufocante e pessimista... mas não deixa de ter o encanto de um poema teu.

    Beijinho,
    Kita
  35. Rosario Andrade Says:
    Bom dia!!!!
    ...o enjoo dura ha demasiado tempo!... espero que se deva apenas a uma gestacao poetica e que a tua ausencia seja compensada por mais um mimo destes!
    Bjico!
  36. Anónimo Says:
    ...sabes que sempre adorei esta música,não sabes?já te tinha dito Gonçalo Nuno?tenho a certeza que sim.Sempre a a ouço lembro-me de ti.Voltei ontem Gonçalo.
    Onde estás...na Fnac??

    Saudades tuas.e esta música
    deixa-me triste...porque te
    sinto assim.Diz-me só se estás bem.
    Um beijo meu G.Nuno.

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